Álvaro C. A. Braz
Estudos realizados com nitrogênio marcado de constituição
inorgânica, particularmente uréia e amônia, vêm evidenciando a
incorporação deste a aminoácidos endógenos e microbianos na corrente
sanguínea, com conseqüente incremento no aporte protéico do organismo.
Recentes
estudos relacionam os aminoácidos glutamina, glicina e arginina a
funções metabólicas essenciais dentro do sistema imunológico. E são
esses justamente os aminoácidos de maior produção no processo de
reciclagem do nitrogênio não-protéico. O que se segue é a descrição do
que se sabe até então desses processos dentro da hipótese que une
urinoterapia e imunonutrição.
Í N D I C E
IMUNONUTRIÇÃO
INTRODUÇÃO
SÍNTESE ENDÓGENA DE AMINOÁCIDOS
GLUTAMINA
• PRODUÇÃO ENDÓGENA E METABOLISMO DA GLUTAMINA
- Síntese via incorporação de amônia ao glutamato
- Glutamina: pivô da economia do nitrogênio
• GLUTAMINA E O SISTEMA IMUNOLÓGICO
- Glutamina como substrato específico do sistema imune
- Glutamina e a preservação da barreira intestinal
- Demanda aumentada torna glutamina essencial
- Suplementação clínica de glutamina
ARGININA
• PRODUÇÃO ENDÓGENA E METABOLISMO DA ARGININA
- Síntese de arginina via ciclo da uréia
- Função da arginina na economia metabólica
• ARGININA E O SISTEMA IMUNE
GLICINA
• PRODUÇÃO ENDÓGENA E METABOLISMO DA GLICINA
- O novo imunonutriente anti-inflamatório
• GLICINA E O SISTEMA IMUNE
- Canais de cloro dependentes de glicina em leucócitos
- Glicina e cancer
CONCLUSÃO
Referências
INTRODUÇÃO
SÍNTESE ENDÓGENA DE AMINOÁCIDOS
Com
a reintrodução de quantidades adicionais de uréia e amônia da urina via
oral, somadas à amônia proveniente do ciclo endógeno intestinal,[i]
grandes quantidades de amônia alcançam a veia portal, onde chegam ao
fígado. Este órgão tem um papel central de remoção desta amônia portal,
através de duas vias.[ii] A primeira promove a resíntese da uréia e a
segunda através da síntese de glutamina. Na verdade,
observa-se
não somente um aumento dessas duas substâncias, mas também de vários
outros aminoácidos,[iii],[iv] que aqui consideraremos em separado pelas
fundamentais e interessantes
particularidades
de cada um desses aminoácidos especialmente a arginina, o
glutamato/glutamina e a glicina, que dividem entre si importantes papéis
dentro do sistema imunológico.
GLUTAMINA - PRODUÇÃO ENDÓGENA E METABOLISMO DA GLUTAMINA
Síntese via incorporação de amônia ao glutamato
O
aminoácido glutamina é sintetizado pelos seres superiores a partir da
enzima glutamina sintetase que incorpora amônia ao precussor glutamato,
cuja reação é:
L-glutamato + NH3 + ATP Õ L-glutamina + ADP + Pi
A
retirada da amônia proveniente dos intestinos é realizada basicamente
no fígado,[v], onde os dois principais sistemas detoxificadores estão
dispostos anatomicamente um após o outro no ácino hepático. Hepatócitos
da zona periportal (próximos da entrada sinusoidal), ricos em
glutaminase, são responsáveis pela síntese de uréia através de um
sistema de baixa afinidade, mas de alta capacidade. A amônia que daí
escapa é capturada, logo à frente, por um sistema metabólico de baixa
capacidade, mas de alta afinidade, nos hepatócitos perivenosos (junto à
saída sinusoidal), ricos em glutamina sintetase, para síntese de
glutamina.
A
glutamina sintetase é encontrada juntamente com a glutaminase em quase
todos os tecidos, mas em diferentes concentrações,[vi] determinando
diversos perfis de captação e liberação de glutamina nos diversos
órgãos. (Vide tabela 1).
Os
músculos esqueléticos são, por sua massa avantajada, os grandes
produtores/doadores, seguidos de pulmões, tecido adiposo, pele, coração e
cérebro. Entre os grandes consumidores está a área esplâncnica
(intestinos, baço e pâncreas), rins e o sistema imune, por sua intensa
reposição celular.[vii]
O
fígado, por possuir uma arquitetura metabólica heterogênea ímpar, que
contém as duas vias metabólicas,[viii] em dois subgrupos celulares
distintos no mesmo ácino, confere a esse órgão um papel regulador único,
que produz ou capta glutamina conforme a momento fisiológico.
Tabela 1: qualidades metabólicas dos principais órgãos quanto à glutamina[ix]
______________________________________________________________________
Doadores de glutamina (alta atividade de glutamina sintetase) síntese de glutamina
Músculo esquelético
Pulmões
Tec. adiposo
Regulador de glutamina (alta atividade de glutamina sintetase e glutaminase)
Fígado
Consumidores de glutamina (alta atividade de glutaminase)
Intestinos
Rins
S. Imunológico
______________________________________________________________________
Glutamina: pivô da economia do nitrogênio
A
glutamina tem sido classificada há muito tempo como aminoácido não
essencial ou nutricionalmente dispensável por ser sintetizada
endogenamente de outros aminoácidos e precursores em quantidades
adequadas.[x] Mas esta visão da glutamina como nutriente dispensável
contradiz sua importância qualitativa e quantitativa no metabolismo dos
mamíferos. Além de seu papel como unidade estrutural das proteínas, a
glutamina é um aminoácido com propriedades fisiológicas e bioquímicas
únicas. É o aminoácido mais abundante do sangue, compondo de 30 a 35% do
nitrogênio dos aminoácidos livres do sangue (500-900 µM). Em certas
condições a glutamina compõe mais de 80% de todo o nitrogênio aminoácido
transportado no sangue.[xi] Como contêm dois grupos nitrogenados
prontamente disponíveis, um nitrogênio a-amino e um nitrogênio amida,
ela é, quantitativamente, o mais importante carreador não-tóxico de
nitrogênio[xii] e de esqueletos de carbono[xiii] entre os diversos
órgãos do organismo.[xiv]
Há
uma notável diferença no gradiente de concentração entre as membranas
plasmáticas de diversos tecidos tal que a glutamina também é o mais
importante componente das reservas de aminoácidos intracelulares. No
músculo esquelético humano, por exemplo, principal órgão de síntese e
armazenamento, onde a concentração da glutamina é 30 vezes a do plasma,
ela compõe mais de 60% de toda reserva de aminoácidos livres.[xv] Desde
que o músculo estriado contém em média a metade de todos os aminoácidos
livres do corpo torna-se aparente a importância quantitativa deste
aminoácido, o que faz da glutamina o aminoácido mais abundante de todo o
corpo, constituindo mais de 60% de todo o nitrogênio do organismo.
Além
de sua importância como carreadora e armazenadora de carbono e
nitrogênio, a glutamina tem também importância central em inúmeras vias
metabólicas.[xvi] É um precursor essencial para a biossíntese dos ácidos
nucléicos[xvii] de todas as células, sendo também o maior substrato da
amoniagênese renal[xviii] e intestinal tendo, portanto, um importante
papel no equilíbrio ácido-básico.[xix] Tem um papel central no
metabolismo dos carboidratos como precussora da síntese de
glicogênio,[xx] de proteínas[xxi],[xxii],[xxiii],[xxiv] e na inibição da
degradação protéica.[xxv] E tem também importância fundamental como
substrato indispensável para as células de rápida proliferação, tais
como as células da mucosa intestinal[xxvi] e de muitas outras, como por
exemplo, células endoteliais[xxvii] e tubulares renais[xxviii],
fibroblastos[xxix], células tumorais[xxx],[xxxi] e as do sistema
imunitário.7
GLUTAMINA E O SISTEMA IMUNOLÓGICO
Glutamina como substrato específico do sistema imune
Linfócitos,[xxxii],[xxxiii]
macrófagos,[xxxiv] neutrófilos[xxxv] e provavelmente todas as células
do sistema imunológico[xxxvi] dependem da glutamina como fonte primária
de energia. Evidências recentes demonstram que a taxa de utilização de
glutamina por essas células é similar ou mesmo maior que a de glicose e
que nenhuma das duas é completamente oxidada totalmente para fonte de
energia, sendo ambas quase totalmente utilizadas para síntese de
biomoléculas imunoativas e nucleotídeos para replicação celular.[xxxvii]
Uma alta taxa de captação de glutamina é característica dessas células
proliferativas para síntese dessas moléculas chave, como
glutadiona[xxxviii] e ácidos nucléicos, mesmo em condições de
quiescência imunológica. Na ausência de glutamina, linfócitos não
proliferam in vitro e, por outro lado, a proliferação aumenta bastante
com o aumento da concentração da glutamina.[xxxix]
A
presença de células tumorais em ratos promove um aumento da atividade
da glutaminase em órgãos linfóides e em linfócitos e macrófagos
isolados.[xl] A utilização da glutamina também tem sido relacionada com a
produção de superóxido e interleucina-1 e -6 por macrófagos[xli] e de
interleucina-2 por linfócitos.[xlii] Linfócitos têm grande capacidade
proliferativa, além de síntese de imunoglobulinas, enquanto macrófagos e
neutrófilos, células terminalmente diferenciadas e com pouca capacidade
proliferativa, além da atividade secretória, têm uma grande capacidade
fagocítica, requerindo uma elevada taxa de síntese e reposição
lipídica[xliii] para adequada manutenção da membrana. Há evidências de
que essas células, principalmente os macrófagos, sintetizam lipídios do
piruvato oriundo do metabolismo da glutamina.[xliv],[xlv] De fato, há um
estudo demonstrando que os lipídios participam ativamente da regulação
da função imune.[xlvi]
Recentes
estudos in vitro[xlvii],[xlviii],[xlix] e em animais[l],[li] têm
demonstrado que a glutamina pode realmente aumentar a função bactericida
dos neutrófilos, que são os fagócitos primariamente envolvidos na
eliminação das bactérias invasoras, aumentando sua capacidade fagocítica
e produtora de metabólitos reativos do oxigênio. Eles capturam as
bactérias opsonizadas, as fagocitam e então as destróem com proteínas
não-oxidativas em combinação com produtos intermediários reativos do
oxigênio, que são o super-óxido (O2-), o peróxido de hidrogênio ou água
oxigenada (H2O2) e o hipoclorito (OCl-).[lii] Também a fagocitose
mediada por macrófagos é influenciada pela disponibilidade de
glutamina;[liii] aumenta a atividade das células NK,[liv] estimula a
produção de IgA no intestino,[lv] de interferon-g e do fator de necrose
tumoral.[lvi],[lvii]
Glutamina e a preservação da barreira intestinal
Os
enterócitos estão entre as células que mais consomem
glutamina,[lviii],[lix] devido a rápida proliferação que sua função
exige, pois além de ser um órgão de digestão e absorção, os intestinos
são uma barreira contra patógenos invasores e moléculas nocivas. O
fenômeno das bactérias e suas endotoxinas atravessarem a barreira mucosa
intestinal íntegra e invadirem o tecido extraintestinal (nódulos
linfáticos mesentéricos, fígado, baço, cavidade peritoneal, sangue e
circulação linfática) tem sido chamado de translocação
bacteriana.[lx],[lxi] A defesa do trato gastrointestinal parece involver
dois componentes.[lxii] O primeiro é uma barreira mecânica e química
que inclui um pH ácido no estômago, junções epiteliais apertadas (tight
juntions), uma camada de muco que cobre o epitélio e a microflora
intestinal indígena. O segundo componente de defesa é o tecido
intestinal linfóide (TIL). O processamento de antígenos no TLI é parte
de um elaborado sistema que promove a secreção de IgA
antígeno-específica para dentro da luz intestinal. É importante frisar
que a barreira intestinal funciona em camadas, e mesmo a atividade
secretória é um processo que envolve três níveis.[lxiii] (Vide tabela
2).
Tabela 2: Níveis de defesa da barreira intestinal
_________________________________________________
Mecanismos imunes inatos locais
Acidez gástrica
Efeito limpante da motilidade intestinal
Eventos digestivos intraluminais
Camada de muco aderida ao epitélio
Junções intercelulares apertadas entre enterócitos
Rápida proliferação dos enterócitos rumo ao lúmem
Mecanismos imunes adaptáveis (Tecido Linfóide Intest.)
Apresentação de antígenos
Respostas dos linfócitos T
Produção das imunoglobulinas secretoras
Mecanismos sistêmicos
Refinamento dos mecanismos imunes adaptáveis
Atividade macrofágica
_________________________________________________
Adaptado de Hall et al.9
Por razões ainda não completamente compreendidas, a
eficácia da barreira intestinal pode se comprometer como consequência de
uma série de agravos locais e sistêmicos. (Vide tabela 3).
Tabela 3: Agravos intestinais associados ao aumento da translocação bacteriana
_________________________________________________
Sistêmicos Locais
Subnutrição Radiação
Choque
Quimioterapia
Sepsis
Inflamação
Queimaduras Diarréia
grave
Trauma grave Infecção
Cancer avançado Antibióticos
_________________________________________________
Adaptado de Souba et al.[lxiv]
Esses
agravos atuam sinergisticamente, levando à atrofia das
microvilosidades, aumento da permeabilidade intestinal e da translocação
das bactérias luminais e suas toxinas. A invasão por bactérias
intestinais provoca uma resposta sistêmica de hipermetabolismo e
hipercatabolismo que caracterizam a septicemia e que, se persistente,
leva a falência múltipla de órgãos.
Hoje
há uma sólida evidência de que a glutamina tem um papel fundamental na
manutenção do metabolismo, estrutura e função intestinais. Em modelos
animais com enterocolite ficou demonstrado que a suplementação de
glutamina prolonga a sobrevivência desses animais e diminui a gravidade
da inflamação da mucosa.[lxv] Outros, em modelos animais com
enterocolite por irradiação, demonstraram que a glutamina não apenas
promove a recomposição da mucosa agredida e diminui a subsequente
translocação bacteriana, mas também estimula os linfócitos locais a
melhor eliminarem as bactérias dos nódulos linfáticos.[lxvi],[lxvii]
Demanda aumentada torna glutamina essencial
Obviamente,
essa demanda por glutamina já alta em quiescência imunológica aumenta
inúmeras vezes quando o sistema imune, frente a algum desafio, é
ativado. A ativação mitogênica de linfócitos aumenta tanto a atividade
da glutaminase quanto a utilização de glutamina.22
De
fato, sabe-se que as concentrações plasmáticas e teciduais da glutamina
não são apenas altas, mas são também bastante lábeis. Os níveis
plasmáticos de glutamina declinam rápida e profundamente no decurso de
inúmeros estados catabólicos como cirurgias, queimaduras, sepsis, cancer
e outras doenças sistêmicas.[lxviii],[lxix] Durante stress catabólico a
concentração intracelular da glutamina pode cair mais de 50% e os
níveis plasmáticos mais de 30%,[lxx] tendo sido observado diminuição de
até 85% em pacientes com pancreatite necro-hemorrágica,[lxxi]
evidenciando que em tais condições a demanda de glutamina pode exceder a
capacidade do organismo de sintetizá-la. Essa queda nas concentrações
de glutamina é maior do que em qualquer outro aminoácido e corresponde,
em geral, com a severidade da doença de base, retornando aos níveis
normais, com certa dificuldade, apenas ao final da convalecença.[lxxii]
Foram
então descritos, após investigações das bases fisiológicas de tais
alterações,[lxxiii],[lxxiv] efeitos anabólicos oriundos do fornecimento
de glutamina em modelos animais[lxxv], [lxxvi], [lxxvii] e em
humanos.[lxxviii],[lxxix] A partir de então, ficou evidente que a
classificação da glutamina como aminoácido não-essencial poderia estar
incorreta, resultando, no início da década de 90, na proposta de
reclassificação da glutamina como sendo aminoácido condicionalmente
essencial.18.[lxxx] De fato, em estados patológicos associados a queda
da concentração da glutamina a função imuno-lógica geralmente se
encontra deprimida.[lxxxi],[lxxxii]
Suplementação clínica de glutamina
A
suplementação de glutamina exógena tem mostrado restaurar os níveis
plasmáticos e melhorar a função imune. Num estudo prospectivo,
randomizado e duplo-cego, os pacientes imunossuprimidos (por irradiação e
quimio-terapia) que receberam glutamina antes do transplante medular
tiveram significativamente menos contaminação bacteriana e infecção que o
grupo controle,[lxxxiii] o que foi associado a uma mais rápida
maturação dos linfócitos T nos que receberam glutamina.[lxxxiv] Num
outro estudo em pacientes pós-operados, a resposta proliferativa dos
lifócitos T aumentou com a administração de glutamina parenteral.[lxxxv]
Ainda com suplementação endo-venosa demonstrou-se melhora na
sobrevivência em pacientes graves acompanhados durante 6 meses[lxxxvi] e
melhora no balanço nitrogenado pós-operatório, aumento do número dos
linfócitos periféricos, aumento da produção de leucotrienos pelos
neutrófilos e encurtamento do pós-operatório.[lxxxvii] Outro estudo,
desta vez com suplementação enteral, demonstrou que a glutamina reduziu
significativamente a incidência de pneumonia, bacteremia e sepsis em
pacientes politraumatizados.[lxxxviii]
ARGININA - PRODUÇÃO ENDÓGENA E METABOLISMO DA ARGININA
Síntese de arginina via ciclo da uréia
A
arginina é um aminoácido que só se torna dispensável após a fase de
crescimento e também é muito utilizado pelo sistema imunológico.
Apresenta ainda um papel crucial nos mecanismos de cicatrização e
regeneração tecidual.
A
principal fonte de arginina nos mamíferos é o ciclo da uréia.
Importante circuito de detoxificação, o ciclo da uréia funciona não
apenas para facilitar a excreção do nitrogênio via síntese de uréia mas
também para aumentar a oferta endógena de arginina.
Função da arginina na economia metabólica
A
arginina ocupa um lugar único na nutrição humana devido a sua ampla
gama de atividades biológicas. Estudos nos últimos 40 anos têm
demonstrado que a arginina detêm importantes funções metabólicas e
imunológicas, especialmente durante condições de estresse, como por
exemplo, em infecções.[lxxxix],[xc] Estes trabalhos acabaram por trazer a
proposição de que a arginina seja, tal como a glutamina, reclassificada
como um aminoácido "condicionalmente essencial",[xci] pois apresenta,
em condições de hipermetabolismo, demanda maior que a oferta.
A
arginina tem um papel central na síntese da uréia e das proteínas, de
elementos de alta energia, como a creatina, das poliaminas e do óxido
nítrico (NO).[xcii] Quando administrada em doses farmacológicas tem
demostrado promover a cicatrização aumentando a produção de colágeno,
estimula a secreção hormonal de inúmeras glândulas endócrinas, regula o
crescimento de certos tipos tumorais e potencia as respostas celulares
do sistema imune.[xciii]
ARGININA E O SISTEMA IMUNE
A
sugestão de que o aminoácido arginina teria um efeito imunonutriente
aparece na segunda metade da década de setenta quando observa-se sua
capacidade imunoestimulatória em animais,[xciv] e que ela tornava-se
essencial na dieta para a manutenção do peso corporal, adequado processo
de cicatrização e sobrevivência de ratos submetidos a
injúria.[xcv],[xcvi] Crescente evidência de que o trauma e outras
injúrias, incluindo sepsis, provocavam alterações nas concentrações
intra e extra-celulares de certos aminoácidos[xcvii] sugeriram que as
necessidades dietéticas de certos aminoácidos poderiam variar nessas
condições e que a administração destes aminoácidos poderia modificar
favoravelmente as respostas metabólicas e fisiológicas a tais
injúrias,[xcviii] provavelmente com envolvimento concomitante do eixo
hipotalâmico-hipofisário.[xcix] Desde então a habilidade em reduzir o
crescimento e a disseminação de tumores como consequência de efeitos
imunoestimulantes torna-se cada vez mais clara em modelos
animais[c],[ci],[cii],[ciii] e em humanos.[civ],[cv]
Confirma-se então a ação da arginina ativando linfócitos,[cvi] neutrófilos[cvii] e macrófagos.[cviii]
Duas
vias metabólicas foram identificadas como as responsáveis pelas ações
imunomodulatórias da arginina. A primeira via é através da enzima
arginase, cujo produto final são as poliaminas, fundamentais para
replicação do DNA e proliferação celular.[cix] E a segunda via envolve
uma família de enzimas conhecidas como NO sintetases, que produzem
grandes quantidades de NO.[cx] Apesar de não exatamente elucidado seu
papel dentro da imunidade inespecífica, sabe-se que o NO parece inibir a
síntese de DNA e consequente divisão das células indesejadas[cxi]. Ele é
secretado em altos níveis por macrófagos ativados e neutrófilos,
formando em combinação com o oxigênio, intermediários altamente
reativos, como o radical hidroxila (OH), o dióxido de nitrogênio (ONOO-)
e outros compostos nítricos ou nitrosos, que atuam como agentes
endógenos antimicrobianos.[cxii]
Inúmeros
estudos clínicos vêm avaliando a eficácia da arginina em intensificar
os mecanismos imunológicos durante infecções em queimados,[cxiii] em
cancerosos,[cxiv] em imunodeprimidos[cxv] e em
operados/traumatizados,[cxvi],[cxvii] constatando-se os melhores
resultados no último grupo.
GLICINA - PRODUÇÃO ENDÓGENA E METABOLISMO DA GLICINA
O novo imunonutriente anti-inflamatório
A
glicina pode ser produzida através de um intermediário da glicólise,
com subsequente conversão do aminoácido serina ou, no fígado, pela ação
da enzima glicina sintetase, que incorpora uma molécula de amônia,
ajudando na detoxificação desta do organismo. (Rever Lehninger)
A
glicina aumenta a sobrevivência de ratos ao choque
endotoxêmico.[cxviii] Atua também minimizando as lesões hepáticas
induzidas pelo álcool, in vivo, ao diminuir o etanol que atinge o fígado
acelerando o primeiro passo do metabolismo deste no estômago[cxix] e
melhora a convalecença da hepatite alcoólica[cxx] e a sobrevivência em
transplantes hepáticos.[cxxi] Diminui a fibrose causada por drogas
experimentais, prevenindo danos hepáticos[cxxii] e a proliferação
celular hepática induzida por químicos.[cxxiii]
Nesse
sentido, a glicina inibe o crescimento de tumores provocados pelo
implante de células de melanoma em modelo animal.[cxxiv] Nos rins reduz a
nefrotoxicidade da ciclosporina A[cxxv] e previne a hipóxia e a
formação de radicais livres.[cxxvi]
GLICINA E O SISTEMA IMUNE
Canais de cloro dependentes de glicina em leucócitos
A
maioria das ações da glicina se devem ao bloqueio do canal de cloro
ligado à glicina, recentemente descrito nas células Kupffer[cxxvii] e
que parece ser comum a todas as populações de leucócitos.[cxxviii]
Devido
a essa ubiquidade do canal de cloro glicina-dependente, a glicina tem
sido relacionada a funções imunoregulatórias, que variam de atividades
antitumorais a imunossupresivas, sendo sugerido sua aplicação clínica em
alguns casos que, de acordo com as evidências experimentais, variam de
septicemias a endotoxemias, síndrome do desconforto respiratório a asma e
como coadjuvante em transplantes e em casos oncológicos.[cxxix]
Glicina e cancer
Estudo
em camundongos com implantação de células tumorais (melanoma B16)
evidenciou diferença significativa no crescimento dos tumores. Naqueles
alimentados com dieta composta de 5% de glicina e 15% de caseína, contra
os 20% de caseína do grupo controle, os tumores pesavam 65% menos,
principalmente após 14 dias de acompanhamento, sugerindo que a glicina
teria um papel fundamental na inibição da angiogênese e vascularização
tumoral. De fato, a glicina inibe o crescimento das células endoteliais
in vitro, apoiando a hipótese de que a glicina inibiria o crescimento
tumoral in vivo através de mecanismos envolvendo o controle da
proliferação endotelial.121, 126
CONCLUSÃO
O
metabolismo do nitrogênio dentro do trato gastrointestinal envolve
complexos ciclos entre a circulação sistêmica, a mucosa e as reservas
intraluminais de proteínas, aminoácidos e outros materiais nitrogenados
de origem dietética e endógena.
Interpõe-se
a tudo isso a microflora intestinal, com suas reservas microbianas de N
e suas próprias necessidades nutricionais satisfeitas através da
degradação de substâncias alimentares e endógenas. Dentre os substratos
para o crescimento bacteriano inclue-se a uréia, desde que a população
bacteriana contenha urease, permitindo que a uréia que adentra o lúmem
intestinal seja degradada e forneça N (na forma de amônia) para a
síntese microbiana de aminoácidos e de proteínas, ou para síntese
endógena de amino-ácidos. Mas, apesar de se saber que essa reciclagem
influência a composição dos aminoácidos e portanto a qualidade da
proteína disponível para atender as diversas exigências nutricionais,
não se sabe exatamente qual a real contribuição nutricional que para o
organismo hospedeiro teria o reaproveitamento desse N inorgânico,[cxxx]
ainda mais ao considerar-se a ingestão de quantidades extras advindas da
urina.
Em
pessoas com uma dieta normal, aproximadamente três quartos da uréia
produzida é excretada na urina. O outro quarto adentra o aparelho
digestivo através das secreções fisiológicas e sofre hidrólise pela
microflora intestinal, com o nitrogênio sendo disponibilizado para
posterior interação metabólica.[cxxxi] Entretanto, como acontece grande
variabilidade interindividual dentro do metabolismo protéico, o mesmo se
encontra à respeito da cinética da uréia, considerando-se, em geral, um
coeficiente de variação de ≈ 35% para a produção e a excreção
da uréia.[cxxxii] Com relação à quantificação dos aminoácidos
produzidos à partir dessa fração retida do N inorgânico (≈
25%), os poucos trabalhos existentes apontam, interes-santemente, para
uma maior produção de glutamina (≈ 48%) e arginina
(≈ 40%), e logo a seguir glicina (≈ 4%).3,4 Esses
dados sobre síntese e a importância metabólica desses aminoácidos
formados à partir de algumas das mais abundantes substâncias
nitrogenadas não-protéicas da urina (uréia e amônia), explicariam
algumas respostas favoráveis da urina via oral observadas em nossa
prática médica como a uma significativa melhora da função imune.
Uma
primeira observação prática que se faz é que a urina seguinte àquela
que foi ingerida contém menos uréia que a urina que foi ingerida pois
ela sai menos concentrada. E daí por diante até chegarmos, após algumas
reingestões, a uma urina clara e completamente inodora, ou seja, sem
solutos.
Esses
dados nos dispõem que há uma retenção dos sólidos da urina, e
obviamente o fazemos, somente porque temos uma flora intestinal com o
aparato enzimático certo.
Outro dado significativo diz respeito ao grande bem-estar
que advém da prática de se reaproveitar a urina. Se fosse atividade
danosa ao corpo ou atentado contra a própria saúde, deveríamos
apresentar quadros intoxicativos progressivos - uremia. Mas o que vemos é
o contrário. Ocorre melhora do ânimo e do humor, sensível melhora da
qualidade do sono e melhor resistência imunológica, por prontas
respostas a inúmeras doenças, de infecções a quadros degenerativos.
Mas,
infelizmente, não temos tido condições, ainda, de aprofundar, através
de um protocolo de pesquisa próprio, tão importantes conjecturas. Um
ensaio duplo cego randomizado, muito provavelmente, já podemos
descartar, pois um placebo que imite identicamente o sabor
característico e complexo da urina estaria fora de cogitação. Esperamos,
em futuro não muito distante, poder apresentar dados clínicos ordenados
que melhor disponham sobre o que temos dito da urinoterapia. Com
certeza, há muito para se fazer.